“Natural de Campinas, terceira filha de uma família de seis irmãos, aprendi a nadar por volta dos 4 anos de idade. Em casa isso era regra desde que minha irmã mais velha foi diagnosticada com bronquite asmática. Na infância era muito magra e fraca e isso foi o maior incentivo que tive para melhorar e ficar como meus irmãos, que eram nadadores.
Nadei dos 6 aos 21 anos, fui campeã brasileira seis vezes e 36 vezes campeã paulista. Passei por todos os estilos e fui treinada quase por toda a carreira por meu pai, Hilário Rodrigues dos Santos. Ele era um estudioso que ensinou tudo para os filhos por meio de sua cultura. Foi um grande treinador. Com ele, além dos treinos fortes, aprendi sobre ética, determinação e toda a minha paixão por esporte.
Ao entrar na faculdade resolvi curtir a vida, sair, viver coisas novas. Isso durou muito pouco. Quando cursava o segundo ano de Educação Física na PUC Campinas, divulgaram uma prova de triathlon e resolvi me inscrever. Tinha vontade de fazer um esporte que ninguém me conhecesse e eu pudesse me divertir sem pressão. Nessa prova, sem treinar, fui quinta geral e ganhei a categoria feminina. Treinei um pouco e decidi fazer outras provas, entre elas fiz uma em Santos (atualmente o Troféu Brasil de Triathlon) e para minha surpresa fui quinta colocada geral, e o que era para ser uma diversão virou profissão novamente.
No triathlon conquistei muitos títulos, sempre treinando com dificuldades. Fui atleta profissional e ganhei um bom dinheiro nas provas e com patrocínios.
Um grande feito que falo com orgulho foi ser a primeira mulher brasileira a vencer a Fernanda Keller no auge de sua carreira. A Fernanda foi sempre um ídolo para mim e isso marcou definitivamente minha carreira. Até muito pouco tempo atrás, vencê-la era difícil, e na época que consegui era um feito quase impossível.
Treinei como profissional por um grande período e comecei a passar treinos para atletas amadores. Devido à grande carga de trabalho resolvi apenas treinar atletas e começar a competir na categoria amadora. Nesse período me diverti muito, viajava sem pressão e graças a minha condição física venci inúmeras provas, inclusive internacionais. Passado um certo tempo (por volta de 2004) abandonei de vez o triathlon e comecei a me dedicar de corpo e alma a dar treinos e a estudar para fazer atletas competitivos, tanto no nível profissional como no amador.
Vivo 100% do dia junto dos atletas. Fiz grandes projetos de escolinha com a Prefeitura Municipal de Campinas e abri uma consultoria esportiva para atender os inúmeros atletas que me procuravam.Tive o prazer de treinar grandes profissionais do triathlon. Dou treino de triathlon há mais de vinte anos e amo muito o que faço. Nesse meio tempo, também fiz provas de aventura e tive grandes resultados.
Em fevereiro de 2011, comecei a sentir dores fortes no pescoço, mal conseguia dormir. Passei quase 20 dias terríveis e resolvi procurar um médico, que me indicou uma cirurgia de coluna na região cervical, entre a C4 e a C6. Segundo ele era uma cirurgia simples e em quinze dias eu estaria bem.
Entrei para a cirurgia às 7 horas do dia 15 de março de 2011. Na maca me lembro que o enfermeiro, ao me levaram centro cirúrgico, perguntou: ‘Com emoção ou sem emoção?’. Eu respondi sorrindo: ‘Por favor, com emoção’. Eu mal poderia imaginar quantas emoções eu viveria depois.
Eu me lembro de voltar da cirurgia e ver meu médico dizendo que tinha terminado e me estendeu a mão. Não me lembro de ter conseguido alcançar a mão dele. Abri os olhos, acordada por uma movimentação perto da minha cama. Não conseguia ver as pessoas que estavam próximas aos meus pés. Pareciam estar de avental salmão. Era a troca do turno de enfermagem na UTI do Hospital Madre Theodora, em Campinas.
Ainda embriagada pela anestesia, ouvi: ‘Esta paciente fez cirurgia de coluna e ficou tetraplégica’. Senti um nó na garganta e o choro veio do fundo de minha alma e junto com ele uma falta de ar absurda e percebi que se chorasse não iria conseguir respirar. Meus pensamentos ficaram confusos e a partir daquele momento tive que controlar minha cabeça para literalmente sobreviver.
Perder todos os movimentos do corpo, sequer conseguir respirar sem a ajuda de aparelhos e esperar por alguma noticia de algum conhecido foi a mais dura das provas psicológicas que passei. O esporte me treinou a vida inteira para suportar esse sofrimento e tantos outros que vivi e vivo ate hoje. Fiquei muitos dias na UTI depois fui para o quarto, permanecendo mais tantos outros.
Manter a cabeça focada e não deixar a tristeza invadir minha vida e a de meus familiares foi uma luta diária. O esporte me ensinou a não desistir, a ser determinada, a não acreditar em limites e me deu a base para começar minha recuperação.
Do hospital fui para a casa de meus pais, já falecidos, onde montaram uma sala para eu viver. Tinha enfermeiros das 7h às 19h e durante a noite meus irmãos cuidavam de mim. Completamente imóvel e dependente, comecei a não mais pensar em quem eu fui e passei a pensar em quem eu era agora. Como resolver os problemas? Criar uma nova vida e esquecer momentaneamente meu passado foi a melhor solução.
Sempre fui uma pessoa que vivi intensamente, dormia pouco para aproveitar mais, fazia muitas coisas ao mesmo tempo, tinha planos, estratégias e objetivos bem definidos. Nada podia me tirar do foco. Esportista de nascimento, isso era o que sabia fazer de melhor. O maior segredo foi usar essas armas do esporte para fazer meu corpo ‘morto’ renascer.
A primeira frase do dia era sempre: ‘Eu vou voltar a andar’. Tudo na cabeça funcionava como um extenso planejamento esportivo em que para alcançar um determinado tempo, você tem que unir muitos detalhes. Para andar tinha muitas coisas para conseguir antes.
Assim que me acomodei em casa, chamei os atletas profissionais que treinavam comigo e disse que eles poderiam ir embora, pois talvez eu demorasse um pouco para conseguir treiná-los como deveria. Eles não foram. Treiná-los de cima de uma cama foi um grande desafio. Chamei a Vanessa Gianinni e ditei os treinos para ela. Até para falar as frases eu me cansava. Lembro da primeira vez que eles entraram em casa e me viram. Meu coração parecia saltar do peito. Fiz reuniões com eles em torno da minha cama, passei instruções das melhores maneiras que eu podia e procurei trabalhar muito com a parte motivacional.
O tempo passou lentamente quando pensava nas minhas deficiências e o quanto o progresso era lento, mas o mesmo tempo voou quando eu pensava no futuro. O futuro chegava e muitas vezes não trazia com ele todos os meus desejos.
Não desistir nunca é a lição que levo do esporte. Hoje voltei a morar sozinha, dirijo e literalmente tento me virar para fazer tudo normalmente. Trabalho em tempo integral, apenas não consigo mais dar escolinha para iniciantes.
Nesse tempo de três anos ganhei novos amigos, perdi também outros, e mais do que nunca dou valor a todos aqueles que sempre estiveram ao meu lado. Não citarei nomes de pessoas para não correr o risco de esquecer de alguém, mas gostaria de citar grandes parceiros que nunca me abandonaram: Prefeitura de Campinas, Speedo Brasil, meu maior patrocinador e onde sou treinadora contratada e sempre me deram muito carinho, principalmente nos meus dias difíceis. Cia Athletica Campinas, que me esperou por dois anos e me acolheu novamente para dar treinos, fazendo adaptações na academia para me receber. Ascis, que cuida de vestir os meus pés, tão importantes nessa minha nova trajetória. Isma, na figura do meu amigo Fernando Silveira, e Marco Favero amigo e parceiro sempre.”
Rosana Merino